quarta-feira, 30 de março de 2011

Fina Estampa.


Não, me desculpe, querido, mas hoje não conseguiria olhar para você com aqueles olhos vazios e inexpressivos e me vestir de branco em sua homenagem. Muito menos conseguiria cavar bem aqui de dentro aquela tola maneira de sorrir, de me portar e manter as mãos sobre o colo enquanto bebo chá quente e como biscoito francês trazido não sei de onde, por não sei quem, artigo de luxo da melhor confeitaria de todas.

Não, me desculpe. Meus olhos vazios se cansaram de bater para você e suspirar com saudade das gotas de chuva a cair, do contato dos meus pés na grama fresca e orvalhada de manhãzinha. Minhas mãos não se contentam com o colo, desejam sentir a vida com aquela força absurda, com aquele sabor adocicado de primavera. Minhas mãos querem as horas e os relógios, mesmo que seja apenas para ouvir seu tic tac.

Enquanto meus olhos querem a chuva e a grama e minhas mãos anseiam pelo tic tac, meus pés se cansam mudos e saem à francesa, desapercebidos, buscando apenas aquela suave rua íngreme em que se escondem todos os prazeres, aqueles aos quais minha alma anseia e a vida posterga. Todo o meu eu não deseja nada mais do que dar adeus aos conteúdos tolos.

Por isso, me desculpe. Existe uma lógica em seguir os dias e a minha não é essa e o meu casaco não precisa necessariamente combinar com o meu tamanco, muito menos com minhas unhas. Acharia você que seria possível um dia pintá-las de vermelho? Pois bem, é isso. Não há. Ledo engano. Lhe rendo a minha paciência.

Apenas arrumo as malas e me despeço. É importante registrar: despeço-me (mais uma vez, eu sei), mas sem sair do meu canto, ainda cuido do meu gato. E então, vez por outra, hora dessas, talvez acerte na loteria e enfim, arrume uma nova questão.

Haverá um pouco de sorte e um tanto de prazer em cada gota de ação na vida e agora, é claro, existe nada mais do que olhos ansiando chuva, mãos cutucando vida e pés a caminhar por uma viela íngreme de outros daqueles sonhos coloridos e – sim, porque não? – bem mais reais do que os devaneios que me assolavam às vistas. Aqueles que me entediavam enquanto bebia chá e comia aqueles intragáveis biscoitos finos, metidos, estáticos, pouco espontâneos e nada delicados, vindos de um canto que não conheço, potencializados por pessoas com as quais não me envolvo, repleto de detalhes dos quais nunca compartilhei.

foto.

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